sexta-feira, 27 de abril de 2007

Mais um pouco da Homenagem a Aloysio Biondi. Leiam e entendam, antes que o Serra dê a Nossa Caixa ou a CESP!!!

Aloysio Biondi morreu em 21 de julho de 2000, há dois anos. Foi com emoção que recebi o convite de Paulo Donizetti, editor da RdB, para reconstruir essa entrevista com ele.
Mais emocionado fui ficando quando, ao me embrenhar nos seus textos, percebi que o meu maior problema seria a edição, pois quase tudo que Biondi escreveu e disse ainda é muito atual.Infelizmente, muito não pôde ser publicado, por um motivo óbvio, falta de espaço.
Algo que Biondi sempre reclamava. A ponto de ter me confidenciado, poucos antes de sua morte, que recusara um convite para voltar a assinar uma coluna no jornal Folha de S. Paulo, porque queriam publicá-lo apenas uma vez por semana.
Preferiu permanecer no Diário de São Paulo, à época Diário Popular, mesmo sendo este um jornal de repercussão regional.Pra finalizar, é importante registrar que poucas frases de ligação e uma ou outra fírula foram inventadas.
Só me permiti isso para a matéria não ficar burocrática – ele entenderia. Todo o resto é Biondi. Na pesquisa, foram consultados e utilizados só os artigos e entrevistas dos últimos anos. As reportagens produzidas por ele para a RdB foram a base, mas o seu livro O Brasil Privatizado (Perseu Abramo) e matérias publicadas na Folha de S.Paulo, Diário de São Paulo, Correio Brasiliense, Fenae Notícias, revista Bundas, Caros Amigos, jornal da Adunicamp entre outros veículos, também foram fundamentais.
(RR).Renato Rovai - A crise que abate a Argentina e vem se encaminhando de forma rápida para o Brasil é resultado do quê?
Aloysio Biondi – Não há saída, a menos que se rompa com o FMI. A Argentina, antes mesmo do Brasil, iniciou as privatizações, apresentadas como “uma reforma para reduzir a dívida do governo e eliminar o rombo”. A Argentina vendeu tudo: ferrovias, empresas de energia, telefônicas, portos, e até sua Petrobrás (a YPF) e seus equivalentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Vendeu tudo, tudo. Agora está de calças na mão, nas mãos do FMI, sem patrimônio e sem o lucro das estatais, que ajudavam a reduzir o déficit. A privatização não reduziu nem a divida nem o déficit da Argentina. Exatamente como no Brasil. Em contrapartida, o mundo está assistindo a taxas de crescimento econômico fantásticas nos países que desafiaram o FMI, os países ricos e as imposições neoliberais de abertura de mercado às multinacionais e suas importações e à livre circulação dos capitais especulativos. A Malásia, que estabeleceu controles sobre os capitais, cresceu. A Coréia do Sul, que reduziu rapidamente as taxas de juros após a crise de 1997, cresceu e a China continua a crescer no ritmo de 8% ao ano.
Renato Rovai - Então você considera que a herança do governo Fernando Henrique Cardoso para o país é ruim?
Biondi – São duas as principais heranças do governo Fernando Henrique. A primeira, a destruição da alma nacional, porque ele conseguiu destruir o país, destruir a solidariedade e conseguiu jogar um segmento da população contra outro. A segunda, o nosso retorno à década de 50, porque passamos a ter uma dependência total do exterior.
Renato Rovai - Mas esse governo tinha outro caminho?
Biondi – Claro, afinal a febre da privatização e o impulso ao chamado neoliberalismo teve seu ponto de partida na Inglaterra, com a primeira-ministra Margaret Thatcher, mas mesmo ela fez tudo diferente do governo Fernando Henrique Cardoso. A privatização inglesa não representou a doação de empresas estatais, a preços baixos e a poucos grupos empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente a pulverização das ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em donos de ações, acionistas das empresas privatizadas. Não foi só blábláblá, não. O governo inglês criou prêmios, incentivos para qualquer cidadão comprar ações. Quem não as vendesse antes de certo prazo tinha o direito de ganhar determinadas quantias, em datas já marcadas no momento da compra. Isso na Inglaterra de Thatcher. Isso nos anos 80. Poderia dar outros exemplos, mais recentes, como o da Itália ou da França, mas acho que são dispensáveis, se até a Thatcher fez diferente...
Renato Rovai - A sociedade foi passiva durante este governo, ela se acomodou? E qual a responsabilidade da mídia nesse aspecto?
Biondi – A sociedade brasileira perdeu completamente a noção – se é que a tinha – de que as estatais, por exemplo, não são empresas de propriedade do governo, que pode dispor delas a seu bel-prazer. Esqueceu-se de que o Estado é mero gerente dos bens, do patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto a todos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia 1000. Negócios da China que, em sua vida particular, nenhum trabalhador, empresário, nenhuma família de classe média ou do povão, aceitariam. Qual seria a reação de qualquer brasileiro, por exemplo, se um vizinho rico quisesse comprar sua casa, que valesse 50 mil ou 100 mil, por 5 mil ou 10 mil? Reagiria violentamente. No entanto, centenas e centenas de bilhões de reais de patrimônio público, isto é, de propriedade dos milhões de brasileiros, foram vendidos dessa forma, sem grandes protestos, a não ser nas áreas sindicais ou oposicionistas – que, por isso mesmo, tiveram seu espaço nos meios de comunicação devidamente cortado.
Renato Rovai - O Banco do Brasil, a CEF e a Petrobrás seriam a bola da vez num futuro governo tucano?
Biondi – Vamos começar pelo BB. A desmoralização do Banco do Brasil perante a opinião pública foi uma das operações de manipulação mais maquiavelicamente montadas pelo governo FHC. Eles anunciaram prejuízos recordes para o Banco do Brasil, mas na verdade tudo isso foi fabricado. A equipe econômica lançou como dinheiro perdido no balanço do BB todo e qualquer empréstimo em atraso, mesmo que este atraso fosse de apenas um dia. Qual a manobra? Pelas regras do Banco Central, somente devem ser considerados créditos de liquidação duvidosa os empréstimos já vencidos e não pagos há mais de dois meses... A equipe econômica, repita-se, lançou como prejuízos empréstimos com até um dia de atraso. Além disso, o governo federal deve alguns bilhões ao BB, relativos a compra de títulos da dívida externa, mas não inclui nas contas. É um absurdo com intuito de desmoralizar o Banco.
Renato Rovai - E a CEF?
Biondi – Tanto quanto o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal também foi utilizada, ao longo dos anos, para resolver problemas que eventualmente afetassem a economia. Uma utilização muitas vezes de interesse da sociedade mas que, inevitavelmente, reduzia a lucratividade da instituição. No governo FHC, no entanto, a CEF tem sido utilizada para aumentar os lucros dos bancos privados, vergonhosamente obrigada a engolir bilhões e bilhões de prejuízos que, na prática, seriam dos banqueiros. Como? Tem gente que já esqueceu disso ou prefere não lembrar, mas na quebra do Banco Econômico, por exemplo, a CEF “comprou” a carteira imobiliária, isto é, os contratos de financiamento da casa própria que o Econômico havia concedido. Valor: 1,7 bilhão de reais. Na quebra do Bamerindus, a mesma coisa. A Caixa comprou os “negócios” com alto nível de inadimplência para beneficiar os futuros compradores. Mas o pior é que essa operação virou norma: a Caixa Econômica Federal passou a comprar permanentemente esses ativos, inclusive dos grandes bancos aumentando os lucros deles e ficando com os prejuízos... Mas, você não vai me perguntar do Banespa?
Renato Rovai - Claro, mas é que eu queria falar do futuro, do que ainda pode vir a ser privatizado.Biondi – É que de repente você acha que o assunto já é velho. A gente costuma esquecer as coisas...
Renato Rovai - Então tá, mas seja breve...(risos)
Biondi – Eu sei que já falei muito a respeito do Banespa, mas é bom lembrar algumas coisas. Antes do BB ele já havia sido vítima de manobras para considerá-lo quebrado. Poucos dias antes da posse do ex-governador Mário Covas, em seu primeiro mandato, no final de 1994, o Banco Central decretou a intervenção no banco paulista, alegando que o estado havia deixado de pagar uma parcela de um acordo de refinanciamento da dívida, firmado com o governo federal. No entanto, segundo a defesa de um ex-governador paulista, em juízo, o atraso era inferior a dez dias – e as regras do acordo de financiamento previam que qualquer punição somente poderia ser adotada após 30 dias de atraso. No caso do Banespa, ainda, houve um aspecto nunca explicado suficientemente à opinião pública. Afirmava-se que o banco tinha um rombo, que estava quebrado, insinuando-se que seria uma situação igual à do Nacional, do Econômico e de outros bancos particulares que quebraram. Na verdade, no caso desses bancos privados, as dívidas eram superiores aos créditos que tinham – inclusive a receber. Havia um rombo, sim. No caso do Banespa, a situação era outra: o dinheiro do banco não havia evaporado, sumido, deixando um rombo. Havia, o que não foi satisfatoriamente explicado, um grande devedor, que não estava pagando suas dívidas: o governo do Estado. O Banespa nunca quebrou. Quem estava “quebrado” era o governo do estado. Os créditos a receber existiam. O dinheiro existia. Mas a equipe de FHC construiu uma imagem de “quebra” para o Banespa, para abrir caminho para a privatização.
Renato Rovai - Será que você não está muito ácido em relação ao governo do FHC?
Biondi – Será pra menos? Eles estimularam o envio de dólares para o exterior, elevaram os juros para cobrir os rombos criados, quebraram a União, os estados, os municípios. Destruíram a indústria e a agricultura. Esses clones malditos dos intelectuais de ontem destruíram em menos de uma década o que havia sido construído ao longo de várias. Destruíram o sonho, a Alma Nacional. O que somos hoje? Um quintal dos países ricos? Não. Somos um curral. Bovinos ruminando babosamente, enquanto o vizinho do lado, o trabalhador, o funcionário público, o aposentado, o agricultor, o empresário, todos, um a um, são arrastados para o grande matadouro em que o país se transformou, com suas mil formas de abate como o desemprego, os cortes na aposentadoria, as falsas reformas do funcionalismo, a falência, as importações. Bovinos ruminando no curral, enquanto empresas de todos os portes são engolidas por grupos estrangeiros e até o petróleo, ou os campos mais fabulosos de petróleo do mundo, com poços capazes de produzir 10 mil barris por dia, cada um, são entregues a preço simbólico às multinacionais.
Renato Rovai - Sabe os que as pessoas me perguntam sempre, por que esses dados que o Biondi cita aparecem tão pouco na imprensa?
Biondi – Honestamente, acho que o jornalismo nunca enfrentou uma fase tão ruim no Brasil. Quanto ao jornalismo econômico ele é como o jornalismo policial, fragmentado. Dá o momento de recorde e o momento de grande crise. Depois não fala mais nada e todo mundo fica pensando que só tem crise. Que é o fim do mundo. A gente já passou por várias crises em que as pessoas pensavam que o mundo ia acabar. A crise do petróleo, a crise da dívida externa nos anos 80, tudo parecia indicar que o mundo ia acabar. Com a ajuda da imprensa, aí, sim, ideológica. Porque, quando estourou o negócio do preço do petróleo, os Estados Unidos queriam invadir o Oriente Médio. Então, as revistas, a televisão, mostravam sempre os xeques com aquele bando de mulheres em Londres, Paris, fazendo compras. Ficava todo mundo com aquela idéia de que só existiam eles. Os árabes tinham indústria petroquímica e incríveis planos de investimentos, mas parecia que eram tudo Ali Babá. Que pegavam petrodólar e botavam na caverna e diziam "aqui ninguém entra". E não era isso. Os relatórios do Banco Mundial e do FMI repetiam isso, que a economia mundial ia acabar. Não se dizia que eles tinham planos de investimentos incríveis, o Brasil fez barganhas para construir ferrovias, usinas etc., em troca do petróleo.
Renato Rovai - Vou mudar um pouco o rumo da conversa, alguns temas vão estar na pauta desta eleição presidencial, a primeira é a reforma tributária...
Biondi – O Brasil é um país tão incrível, que você tinha imposto realmente progressivo, 30, 35, 40 por cento de Imposto de Renda, eles, esse governo, reduziram para duas alíquotas, 10 e 27,5 por cento. E a imprensa, que antigamente, antigamente que eu digo é há oito anos, gritaria contra isso, não falou nada. E a classe média não tem a menor noção de que, de repente, o mais rico, o milionário, não paga mais do que ela. A Folha de S. Paulo chegou a publicar matéria mostrando as alíquotas máximas em outros países, mas é como sempre, discretamente, lá dentro, no caderno de economia. Antigamente sairia: "Aumento de imposto do Brasil não tem paralelo no mundo". Nada disso é editado para as pessoas verem.
Renato Rovai - A Previdência realmente está quebrada, os números que apresentam são verdadeiros?
Biondi – As estatísticas do próprio Ministério da Previdência Social revelam a capacidade do governo FHC e sua equipe de mentir e manipular dados. É mito sobre mito. Em todo momento governo e (de)formadores de opinião repetem que a população brasileira está envelhecendo e por isso o número de aposentados vem explodindo, chegando hoje a 15 ou 16 milhões. Lérias. Quando se fala nesse número de beneficiários da Previdência trata-se, na verdade, de pedidos de todo tipo: aposentadorias, auxílio-doença (que sobem num mês e caem no outro), pensões etc. E as aposentadorias, elas são em torno de 10 milhões. Essa é uma das mentiras que vem sendo repetidas. Há pelo menos uma dezena de mentiras como está. Elas são ditas pelo governo e pelos (de)formadores de opinião para abrir caminhos para a previdência privada.
Renato Rovai - Aliás, falando em setor privado, o empresariado nacional ganhou ou perdeu com a política econômica do atual governo?
Biondi – Como diz a mestra Maria da Conceição Tavares, os Estados Unidos forçaram a abertura dos outros mercados para compensar o déficit com o Japão, que não conseguiam compensar nunca. E o empresariado nacional, se a gente relembrar a euforia inicial de globalização, da entrada de dólares, achou que ia ter um banquete. E não percebeu que era o prato principal (risos). Eu queria explicitar, aqui, nada me provocou mais indignação do que a quebra da Metal Leve. Por quê? Porque o Mindlin foi sempre o empresário que mais se preocupou com tecnologia no Brasil. Tanto que em 1968 fiz uma matéria sobre a enxurrada de importações e citava um exemplo tirado do noticiário: a FAB importou pistão para motor de avião dos Estados Unidos e, quando os caras abriram a caixa, estava lá que era fabricado pela Metal Leve. Porque ela exportava para a NASA. A Romi, por exemplo, naquela época, em 1968, fazia as máquinas de controle numérico, as precursoras do computador, e fazia tomos para exportar para os Estados Unidos. Isso desmente a imagem de que não temos tecnologia, que o empresário é acomodado etc. Então, para criar renda, criar um mercado interno, você tem uma política de criar emprego. Na época da ditadura, a esquerda... esquerda não, na verdade esses caras que estão no governo, debatiam isso o tempo todo. O Bacha, no livro Encargos Sociais e Mão-de-Obra no Brasil, em 1972, propunha que a previdência fosse cobrada como nos outros países, sobre o faturamento e não sobre a folha de salário. Porque, para pagar menos à previdência, a empresa automatizava. No governo Geisel, que fez coisas sérias, o BNDES criou uma linha de financiamento para a indústria de base porque importávamos máquinas maciçamente, apoiando a Villares, Romi, Bardella etc. Mas tinha mais duas linhas, inclusive um dado que foi muito usado para dizer que o governo tinha até fábrica de sutiã, nessa onda da lavagem cerebral. Por que o governo tinha até fábrica de sutiã? Por uma política econômica sábia. Porque o BNDES apoiou os setores de base, onde era importante a tecnologia, mas apoiou também os setores que usavam muita mão-de-obra, como o setor têxtil.
Renato Rovai - O BNDES cumpriu o papel destinado a ele no governo FHC?
Biondi – A sigla BNDES neste governo significou Banco Nacional do Desmantelamento Econômico e Social. Ele se transformou em instrumento de destruição de empregos, desmantelamento de empresas, retrocesso tecnológico. Passou a financiar a desnacionalização, a maior dependência e, ironicamente, atua até como instrumento para aumentar o rombo de dólares do país. Isto é, passou a ser uma alavanca para a crise cambial na qual o Brasil está se atolando cada vez mais. Mas, você não acha que está na hora de acabar a entrevista, depois você vai ter problema para editar, não diz que eu não te avisei...
Renato Rovai - Só mais uma, depois disso tudo fico me perguntando, e tem solução?
Biondi – Acredito que estejamos vivendo o fim de um ciclo, o problema agora será dos Estados Unidos, e nós, infelizmente, vamos passar pelo purgatório que outros países já passaram. Espero que essa virada tenha ensinado alguma coisa para as pessoas, e que talvez os meios de comunicação percebam que eles ajudaram a afundar o país. Tenho os jornais guardados. Tem até o Fernando Henrique dizendo, em outubro de 1995, "quando alguém me fala de recessão, eu tenho vontade de dar uma gargalhada". (risos)
Renato Rovai - Acho que acabamos.
Biondi – Ninguém vai agüentar ler isso. Nem a família. A gente vai ficando velho e a audiência vai diminuindo. Os parentes já não agüentam mais ler as mesmas coisas. (Risos)
Renato Rovai - Vamos tomar uma cerveja?
Biondi – Não, vou ter de pegar a Bia (sua filha) na escola e depois vou pra casa. Marquei com os meninos (seus filhos Pedro e Antônio). Vou fazer um jantar pra eles. Mas me diz uma coisa, você me enrolou, né? Falou que precisava desta entrevista para hoje e de qualquer jeito e agora me chama para tomar cerveja... Eu sempre caindo na sua e você me enrolando com os prazos. Fala a verdade, essa é a primeira matéria desta edição que você está fechando, não é?


Renato Rovai
Jornalista, é editor da revista Fórum e da Editora Publisher Brasil, e colunista da Novae

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