quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Mídia achaca o STF violando comunicação entre ministros

Segundo a mídia reacionária, é lícito violar a correspondência alheia, publicar conversas pessoais à revelia dos interlocutores e espionar a vida dos outros. Diante do episódio em que as telas de computador de dois ministros do STF foram fotografadas, alguns hipócritas filosofaram que “foi num local público, numa sessão pública”. Imaginemos que a vítima fosse o Civita, ou um dos Marinho, ou qualquer outro soba da mídia. É óbvio que esses hipócritas pulariam como chihuahuas no cio, gritando contra a indignidade feita a um dos seus donos.
A correspondência eletrônica entre os ministros Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia Rocha não fazia parte da sessão pública do STF. Nenhum dos dois autorizou que seus computadores fossem fotografados – ou foi avisado de que tal estava acontecendo. E o conteúdo da correspondência eletrônica foi divulgado, no melhor estilo da velha “Escândalo” e outras publicações de mesmo coturno, com a intenção torpe da intriga e da chantagem, em meio a um julgamento de um caso que é uma criação da própria mídia.
O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, tem inteira razão ao falar que “o Brasil não pode virar um imenso Big Brother. Não será surpresa se começarem a colocar grampos nos confessionários para violar o segredo religioso da confissão”. Realmente, esse é o modelo do jornalismo marrom – o voyeurismo, nesse caso com interesse político. O presidente da OAB foi direto ao ponto ao dizer que “conversas serem violadas por meio de fotografias à tela dos computadores é algo tão inaceitável quanto colocar grampo entre os magistrados e advogados para capturar o teor de suas conversas”.
Realmente, não há diferença entre colocar um grampo e fotografar ocultamente os computadores pessoais, revelando a correspondência. É óbvio que a obtenção e publicação de comunicações pessoais sem autorização têm o mesmo estatuto legal de crime, para não falar em seu estatuto moral.
Portanto, a argumentação dos filósofos acima citados se traduz, e se resume, ao seguinte: a mídia pode fazer qualquer coisa, pode violar qualquer lei, com o direito sagrado de impunidade. Aliás, só as suas vítimas é que cometem crimes, a mídia está acima das leis.
No entanto, não está. E eles sabem disso – daí, exatamente, a sua pretensão à impunidade total e geral: porque sabem que estão cometendo crimes. Tanto sabem que passaram a se defender, ora alegando que a violação foi em prol dos mais elevados interesses públicos, ora, como na última “Veja”, que as mensagens interceptadas não têm maior importância.
No entanto, por falar em “Veja”, era essa malta que estava acusando o governo de grampear o STF. No último número da revista dos Civita há um trecho hilário, em meio às recalcitrantes - e sem provas – acusações de que o governo mandou a PF grampear os ministros do STF: “Instantes depois de avisar ao procurador que mandaria soltar alguns presos, o ministro [Gilmar Mendes] recebeu um telefonema de uma jornalista. Ela queria saber se iria mesmo soltar os presos. O ministro, então, perguntou ao procurador se ele havia comentado o assunto com alguém. A resposta foi negativa. O magistrado concluiu que estava sendo monitorado”.
O ministro teria todas as razões para concluir que estava sendo grampeado pela imprensa. Mas, segundo a “Veja”, isto é um indício de que a PF estava grampeando o ministro. Se a história é verdadeira, não sabemos. Nós é que não vamos botar a mão no fogo pelas histórias da “Veja”, que não somos doidos. Mas o fato é que o único grampo comprovado foi o que surgiu em seguida – a violação das mensagens dos ministros Lewandowski e Carmem Lúcia. E não foi o governo nem a PF que o fizeram.
Nas mensagens, os ministros trocam impressões pessoais sobre o caso em pauta, o que foi suficiente para que surgissem com manchetes de que eles “combinavam” sentenças. Como se ministros do STF não trocassem, e não pudessem trocar, idéias sobre os casos que têm de julgar. Arrumaram até um sujeito para argüir que o “princípio da incomunicabilidade” teria sido ferido.
Como juristas esclareceram, o citado princípio não quer dizer que um ministro não pode se comunicar com outro, nem que ele não possa trocar opiniões com seus pares – tal como fazem os médicos, os engenheiros, os pedreiros, os torneiros-mecânicos e qualquer profissional que não seja um charlatão ou um esquizofrênico. O citado princípio significa apenas que os ministros não podem acertar as sentenças antes dos julgamentos. E disso não há sinal nas mensagens – tal atividade é própria do Civita e da Telefônica, antes das assembléias da TVA (v. pág. 2).
Em segundo lugar, a acusação de que os ministros estariam fazendo uma “política de grupo”, ao comentar a escolha do novo membro do STF. Parece até que trata-se de assunto alheio a eles. É natural que os ministros preocupem-se com a composição de sua instituição. Basta ver a Corte Suprema dos EUA, onde os juízes nomeados pelos Bush fizeram aquele tribunal regredir 50 anos, acabando com a integração racial nas escolas e estabelecendo aberrações como a chamada doutrina Scalia-Rehnquist (“a inocência não suspende a pena”, ou seja, comprovado que um condenado é inocente, isso não é motivo para a sua liberdade).
O resto, são tiradas de humor, e observações em estilo coloquial. Mas a violação dessas comunicações serviu para que a mídia tentasse fomentar a intriga entre os membros do STF – e com o objetivo de fazer o tribunal máximo do país coonestar a sua invenção golpista, o conto do mensalão. No entanto, nunca ficou tão claro o caráter fascista dessa mídia, que não tem o mínimo respeito nem pelo Judiciário – o que já se sabia quanto ao Legislativo e ao Executivo. Mas, quem não tem, por si mesmo, respeito, necessita que esse respeito lhe seja infundido.
CARLOS LOPES
29/08/07

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