domingo, 27 de abril de 2008

Essa daqui eu não podia perder: uma entrevista com Orestes Quércia publicada na ISTOÉ ( não saquei a data ), em que ele dá seu ponto de vista sobre a criminosa entrega do Banespa ao Santander. Também fez afirmações legais, como a de que "deram um jeito de avermelhar o balanço só para pegá-lo" e "Gustavo Loyola [ ex-presidente do BC ] é um criminoso". Didaticamente, explicou também como o Banespa servia como fomentador de desenvolvimento e de sua importância como fiador de empréstimos e captador de recursos externos. Tornou-se uma espécie de "lata de lixo" de papagaios alheios, um papel que não foi bem compreendido pela opinião pública. Ficou fácil, então, impor-lhe a pecha de "quebrada" e "mal-administrada", que limpou o caminho para a entrega à iniciativa privada sem a necessária oposição popular. Todo dia a gente aprende uma coisa nova. Curtam a entrevista.
A venda do Banespa é um “crime político”, diz o ex-governador Quércia, que entrou na Justiça e afugentou compradores estrangeiros
Carlos Drummond, Adriana Wilner e Luiz Antonio Cintra
A tentativa de privatizar o Banespa é o desfecho de uma história mal explicada, a da intervenção do BC em 1994. Um ato planejado e estranho ao interesse público. A comissão do BC queria arquivar o inquérito, mas foi forçada pela diretoria a desistir desse propósito, com o objetivo de atingir os governos Quércia e Fleury, como mostrou reportagem de 1996 publicada pela revista CartaCapital. Nesta entrevista, o ex-governador Orestes Quércia conta por que entrou com uma ação popular contra a federalização do Banespa, feita em 1997. A dívida do banco, no momento da transferência das ações do Estado para a União, estava inflada em R$ 19 bilhões, explica Quércia. O ex-governador lembra que o financiamento do Banespa para antecipação de recursos orçamentários feito em seu governo foi aprovado pelo BC e pelo Senado, com parecer favorável de Fernando Henrique Cardoso e votos de Mário Covas e Marco Maciel.
ISTOÉ – Por que o sr. entrou na Justiça com ação popular para anular a transferência do Banespa do Estado de São Paulo para a União, ocorrida em 1997?
Orestes Quércia – Porque entendemos que o acordo que Covas fez com o governo federal é prejudicial ao Estado de São Paulo. Foi uma loucura. Tomou-se como certa uma dívida do Estado com o banco de R$ 56 bilhões, mas este valor inclui, indevidamente, R$ 19 bilhões de juros a mais em relação à legislação que vigorava na época. Também visa cancelar a entrega, pelo Estado, de ações ordinárias do Banespa à União. Portanto, estas ações que se quer leiloar nesta segunda-feira, dia 20, estão sub judice. Sem contar que essas ações, que garantem o controle acionário, deveriam ser oferecidas pelo dobro, no mínimo.
ISTOÉ – Qual a origem desses R$ 19 bilhões?
Quércia – O governo Covas demorou três anos para fazer a renegociação dessa dívida do Banespa, a contar da publicação das leis específicas para essa operação. E nesse período aplicaram os juros distorcidos resultantes do Plano Real, apesar de existirem leis de 1991 e 1993 mandando renegociar a juros de 6% ao ano. O BC não quis, pura e simplesmente, seguir essas leis. Aplicou taxas vigentes no mercado financeiro, de 14% a 15% ao mês. Foi uma arbitrariedade. Por isso entrei na Justiça para recalcular toda a dívida com base em 6% ao ano.
ISTOÉ – A retirada de bancos estrangeiros inscritos para disputar o Banespa tem relação com essa ação?
Quércia – Se amanhã a Justiça anular a transferência da propriedade do banco do governo do Estado para a União, vai afetar o banqueiro que comprar o Banespa. Achamos que esses bancos estrangeiros estão fugindo por causa dessa ação. Na semana passada mandamos uma citação para todos.
ISTOÉ – O sr. é acusado de ter feito financiamentos que prejudicaram o banco.
Quércia – O único financiamento que eu fiz foi no último ano de governo, para pagar o 13º salário dos servidores públicos. Foi quando o Plano Collor reduziu os ganhos dos bancos. Era uma antecipação de receita orçamentária (ARO) de R$ 642 milhões, equivalentes a 15% do total da dívida do Estado que deixei no Banespa. Como eu poderia com isso quebrar o banco? Quando o meu governo terminou, a dívida de São Paulo era de R$ 4,8 bilhões. Os R$ 4,2 bilhões além da ARO vieram de outros governos.
ISTOÉ – Como foi feito esse financiamento?
Quércia – Com autorização do Banco Central e do Senado, com parecer do senador Fernando Henrique Cardoso, relator do processo específico. Foi aprovado por unanimidade, com votos do Mário Covas e do Marco Maciel.
ISTOÉ – Fala-se em um volume maior de dívidas contraídas no seu governo.
Quércia – Não é verdade. Eu investi no meu governo R$ 12 bilhões. O único financiamento feito foi esse já mencionado. Durante o meu governo o Banespa teve o seu maior crescimento. Deu lucro, o lucro foi reinvestido. No último ano da minha administração, as ações se valorizaram em 851%, enquanto o índice Bovespa cresceu 308%.
ISTOÉ – O Banespa foi usado para eleger Fleury? Atribuem ao sr. esta frase: “Quebrei o banco mas elegi o meu sucessor.”
Quércia – Não é verdade. Até porque o financiamento foi feito depois da eleição. A origem dessa história é uma distorção, provocada sobretudo pelo Estadão, que repetia essas coisas, que o Quércia disse que quebrou. Eu nunca iria dizer uma bobagem dessas, mesmo que tivesse feito. Escrevia cartas para eles, telefonava, nunca desmentiram nada. O que há é paixão política na história. De vez em quando publicavam também que eu tinha dito que havia quebrado o Estado. Nunca disse nada disso. Dobramos a arrecadação estadual de US$ 5,1 bilhões em 1986 para US$ 10,6 bilhões em 1990. A dívida do Estado com o Banespa, que representava 62% da arrecadação do Estado, no final do meu governo correspondia a 45%.
ISTOÉ – Um ponto polêmico é o da situação do patrimônio líquido do banco no momento da intervenção. Estava ou não estava negativo?
Quércia – Nunca foi negativo. No momento da intervenção, no dia 30 de dezembro de 1994, o Estado só tinha R$ 25 milhões vencidos desde o dia 15 do mesmo mês e a norma é só considerar crédito de difícil recebimento após 60 dias. Mesmo assim, disseram que o patrimônio líquido estava negativo. No BC, a conclusão do relator foi pelo arquivamento do inquérito. Mas avermelharam o balanço para pegar a mim e ao Fleury [ grifo do blog ], como mostrou a revista CartaCapital. Pretendiam forçar a eliminação da dívida do Estado com o Banespa, extinguindo o banco. Foi um crime político.
ISTOÉ – O relator recomendava o arquivamento e o envio das operações com indícios de irregularidades à Justiça.
Quércia – O inquérito não foi arquivado e todas as operações foram enviadas à Justiça. Não há nenhum processo relativo ao período do meu governo.
ISTOÉ – A intervenção retroagiu sobre cinco diretorias do banco. Como se distribui a dívida do Estado com o Banespa entre os vários governos?
Quércia – Retroagiram cinco anos só para me pegar [ Grifo do blog 2 ]. Decretaram a intervenção no último dia do governo Fleury, em 1994. Em 1990, eu estava no governo. A dívida do governo e de todas as estatais no Banespa, de R$ 3,2 bilhões em 1986, passou para R$ 4,8 bilhões em 1990, computados os R$ 642 milhões da ARO. O restante é juros sobre dívidas anteriores. No final do governo Fleury já estava em R$ 9,4 bilhões, e no governo Covas foi para R$ 56 bilhões, devido aos juros do Plano Real.
ISTOÉ – Porque o sr. acha que a intervenção foi feita para pegá-lo? Qual é o indício?
Quércia – O principal é o seguinte: a responsabilidade civil só prescreve depois de 20 anos. Para abranger todos os que fizeram dívidas do Estado no Banespa, tinham que pegar todas as administrações durante 20 anos, incluindo as de Franco Montoro, Paulo Maluf, Paulo Egydio Martins. Mas só retrocederam até o meu governo.
ISTOÉ – Qual dessas duas causas apontadas pelo sr. pesou mais, o desejo de pegá-lo ou a intenção de acabar com os bancos estaduais?
Quércia – O objetivo maior é acabar com os bancos estaduais. É a orientação do FMI, do ministro Pedro Malan, que é ligado mais a esse pessoal lá de fora do que ao interesse do país. Na cabeça dele e do Gustavo Loyola, que é um criminoso que que foi presidente do Banco Central, o processo é acabar com os bancos estaduais. Mas acabar com o Banespa não é muito diferente do que acabar com o Banco do Brasil.
ISTOÉ – Por que o sr. diz que Gustavo Loyola é um criminoso?
Quércia – Porque ele era presidente do BC quando eles decretaram a intervenção no Banespa. Não podia fazer isso, porque o maior devedor do banco, que era o Estado São Paulo, não estava quebrado.
ISTOÉ – Por que é ruim privatizar?
Quércia – Eu acho o fim do mundo privatizarem o Banespa. Sempre deu lucro, é um bom negócio para o Estado. Por que vender? Todos os grandes bancos ambicionam ter o Banespa, porque ele tem uma estrutura bancária sem igual no Estado. Estruturou a agricultura, o interior, tem uma íntima conexão com a economia de São Paulo, sobretudo com a de pequeno e médio portes. O que o Banespa fez pelo Estado nenhum banco privado faria. Tirar isso de São Paulo é um crime. O Estado perde a força de fazer investimentos de acordo com o interesse da sua estrutura. Acabar com o Banespa é uma proposta indecente. Mas para qualquer banco que eventualmente o adquirir, é um grande negócio.
ISTOÉ – A importância do Banespa se restringe a São Paulo?
Quércia – O Banespa ajudava o Brasil, tinha prestígio em Nova York e na Europa. E tem mais: a maior parte da dívida pública de São Paulo foi feita por determinação do governo federal. O Banespa foi obrigado a ser agente financeiro de todos os avais de empréstimos anteriores, feitos pelo BNH, BNDES, pela área de energia elétrica. Essa é a dívida de São Paulo. Quando o ex-ministro Delfim Netto precisava pegar dólares no exterior, na época das crises de balanço de pagamentos do Brasil, que vem de 1978, mandava captar recursos pelo Banespa. Pegava lá fora e repassava para Cesp, Eletropaulo [ grifo do blog 3 ]. O prestígio do Banespa era idêntico ao do Banco do Brasil. Hoje querem privatizar para entrar dólares e resolver o problema do balanço de pagamentos, é a mesma coisa.
ISTOÉ – Os bancos mais cotados para comprar o Banespa pretendem demitir metade dos funcionários. Com o sr. vê isso?
Quércia – O governo está brigando para conservar os empregados do Mappin. Mas não tem preocupação nenhuma com os empregados do Banespa. Sendo do Estado, dando lucro, o Estado não pensaria em demitir ninguém. Sendo de uma empresa privada, a primeira coisa que ela vai fazer é enxugar para dar mais lucro ainda.
ISTOÉ – Não haveria nenhuma consequência boa da privatização?
Quércia – Eu não vejo nenhuma. Porque banco por banco, já há uma porção de particulares. Precisamos de um banco estadual que tenha interesse social.
ISTOÉ – Qual é a divisão de responsabilidades pelo aumento da dívida?
Quércia – O Covas é o maior responsável, pela sua indecisão. Em vez de fazer um acordo no começo, deixou a dívida dobrar.
ISTOÉ – Mas havia uma proposta.
Quércia – Logo que o secretário da Fazenda Yoshiaki Nakano assumiu, apresentou aos interventores uma proposta para parcelamento em 20 anos. Não foi considerada.
ISTOÉ – O Banco do Brasil foi manipulado para criar condições para a intervenção?
Quércia – Em 1994, logo depois do Plano Real, quando começaram a enxugar a base monetária, o Banespa precisou recorrer ao redesconto. A partir de agosto, o BC começou a dar dinheiro para o Banespa através do Banco do Brasil. No dia 29 de dezembro, o BC mandou o Banco do Brasil não dar mais recursos ao Banespa. Também avisaram o Bradesco para não ajudar. Enforcaram o banco para decretar a intervenção. A dívida era de R$ 9,4 bilhões; não teria sido muito mais interessante para o Estado e a União emprestarem o necessário para pagar essa dívida logo depois do Covas e o Fernando Henrique assumirem, em janeiro de 1995? Por que seguraram esse endividamento por três anos, sendo que tinham resolvido o problema da Caixa Econômica Federal antes do Plano Real, e deram R$ 8 bilhões para o Banco do Brasil?
IstoÉ - Ed. 1625

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